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Na Justiça por saúde, com a vida por um fio

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TJMG registrou até setembro deste ano 31,2% mais processos contra operadoras para garantir tratamento.

Paciente oncológico há 20 anos, Tarcísio Luís Pinto, 67, vive um dos momentos mais complicados do tratamento: tenta na Justiça a liberação, pelo plano de saúde, para manter o uso do único medicamento capaz de dar a ele qualidade de vida. Enquanto o embate judicial não tem um desfecho, teme não sobreviver à espera. Tarcísio convive com uma dor tão forte que nem notou quando fraturou o braço. Um relato que choca e, ao mesmo tempo, mostra o sofrimento por trás da estatística que revela que 3.123 pessoas acionaram o Judiciário contra planos de saúde em Minas Gerais, entre janeiro e 15 de setembro de 2023.

Um número 31,2% superior aos 2.380 registrados no mesmo período de 2022, segundo dados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). O levantamento refere-se apenas aos processos registrados com os filtros “plano de saúde” e “reajuste contratual”, ou seja, mostra só a ponta do iceberg de problemas que envolvem a saúde suplementar no Estado. Esse é o tema da segunda matéria da série “Saúde nos tribunais: para que lado pende essa balança?”, que apontou, nessa segunda-feira (27 de novembro), como o Sistema Único de Saúde (SUS) lota as gavetas de juízes e desembargadores de ações, além de onerar os cofres públicos. Porém, pagar um plano está longe de garantir acesso à assistência.

Tarcísio Luís Pinto, por exemplo, sempre pagou pelo serviço e, agora, quando precisa tratar de um câncer no sangue com sessões de quimioterapia a um custo total de R$ 800 mil, por todos os ciclos necessários; recebeu negativas da operadora. O tratamento, inédito no país, ainda não está disponível no SUS. “É uma luta. Eu me debato tanto na cama tentando me livrar das dores que quebrei o braço. Mas sentia tanta dor que nem notei na hora”, diz Tarcísio Luís Pinto. 

A filha dele, Letícia Aparecida Oliveira, 27, acompanha de perto o sofrimento e revela buscar alternativas. Uma delas é a rifa do caminhão do pai, na tentativa de garantir parte do tratamento, mas não há esperança de resolução total do problema. “Nem se toda a família vender tudo que tem a gente consegue pagar esse tratamento. Mas é muito triste ver meu pai assim, chorando e falando em morte o tempo inteiro”, diz.

Segundo o desembargador e superintendente de Saúde do TJMG, Alexandre Quintino, a análise judicial em casos envolvendo o SUS se difere um pouco das questões com planos de saúde. “O SUS é universal. Já o plano de saúde tem um contrato, e é preciso saber o que está combinado antes de proferir qualquer decisão”.

Se, em alguns casos, o beneficiário do plano de saúde recorre à Justiça, boa parte das queixas não chega aos tribunais. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável pela regulação das operadoras de saúde no país, recebeu 19,12 mil reclamações de beneficiários mineiros de janeiro a outubro deste ano. No mesmo período de 2022, foram 11,66 mil, o que equivale a uma alta de 63%.

Além de sofrimento, por trás dos números estão vidas perdidas, como lembra o advogado especialista em direito à saúde Helbert Gonçalves Coelho. “Os ritos processuais às vezes são tão demorados que muita gente morre sem ter acesso à saúde, que é um direito. Por mais que os juízes tomem decisões rápidas, e, de fato, se tratando de casos de saúde há uma preocupação em despacho ágil por parte do Judiciário; todos os processos demandam tempo de intimação e têm espaço para defesa dos dois lados. E as operadoras usam todo o tempo que têm disponível para protelar ao máximo”, afirma. Ele conta haver situações em que liminares são descumpridas. “Aí, entramos com outras estratégias, como congelamento de bens. Mas cada minuto que perdemos reduz as chances de cura”, diz.

Um belo-horizontino de 47 anos, que prefere não ter o nome revelado, teve a vida por um fio nesse processo. Diagnosticado com câncer no estômago, conseguiu agendar uma cirurgia após seis meses de tratamento. Quando ele chegou ao hospital, veio a surpresa negativa: “O plano tentou barrar minha internação na véspera da cirurgia. O advogado ajuizou uma ação e, com o relatório do meu médico, venceu”, conta. A operadora recorreu da decisão. “Minha sorte foi que o juiz decidiu rápido, e no fim eu ainda ganhei R$ 5.000 por danos morais”, lembra ele. Procurada, a ANS limitou-se a enviar o número de reclamações.

BH: volume de segurados cai 8,2%

O número de belo-horizontinos com planos de saúde em agosto deste ano é 8,2% menor do que o volume de pessoas que pagava pelo serviço há dez anos. Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar, a quantidade de beneficiários caiu de 1,379 milhão para 1,266 milhão.

Para o economista da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipead) Diogo Santos, o aumento do custo de vida é uma das explicações para a queda.

“Esses aumentos dos custos geram uma diminuição do orçamento disponível das famílias para outras despesas, principalmente no caso das que têm uma demanda de gasto com saúde fixa com medicamentos. Desde a pandemia, aconteceu um aumento da informalidade no mercado de trabalho, e, como boa parte das famílias no Brasil acessa o plano de saúde por meio dos planos empresariais, isso significou que menos pessoas têm acesso a esses planos”.

A professora Sheila Mota, 43, é uma das pessoas que abriram mão do plano de saúde em função do alto custo. “Sou mãe solo e fiz plano de saúde por causa da minha filha de 10 anos. Mas não dá para pagar R$ 600. Seria um percentual muito alto do meu salário”, argumenta. Ela conta que, mesmo que a filha seja muito saudável, não ter plano de saúde a faz se sentir desprevenida.

“Se tem plano, e não usa, a gente sente que está jogando dinheiro fora. Mas, quando a gente não tem, fica com este medo de adoecer em um horário em que os postos estão fechados e ter que recorrer a prontos atendimentos cheios do SUS”, diz.

Fonte: https://www.otempo.com.br/cidades/na-justica-por-saude-com-a-vida-por-um-fio-1.3283083

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